Sem salário, dentista levou Brasil ao bicampeonato mundial de futsal

Sem salário, dentista levou Brasil ao bicampeonato mundial de futsal

13 de setembro de 2024 Off Por Redação

Pentacampeão do Mundial da FIFA, o Brasil dominou a modalidade na década de 1990. O comandante daquele time, Eustáquio Araújo “Takão“, dividia o tempo entre o ofício na prática odontológica e a paixão pelo esporte à beira das quadras. Sob a liderança de um dentista/técnico, a seleção brasileira faturou duas Copas do Mundo de Futsal: 1992 (Hong Kong) e 1996 (Espanha). O Brasil estreia neste sábado contra Cuba, às 9h30 (de Brasília), em busca do hexa.

“Foi muita satisfação, muita coisa boa que aconteceu comigo naquele tempo. Eu não sinto saudades, o que tenho são belas recordações”


Takão (o penúltimo em pé) na comemoração do título mundial de 96 — Foto: FIFA/Divulgação
Takão (o penúltimo em pé) na comemoração do título mundial de 96 — Foto: FIFA/Divulgação

Sem receber salários, Takão ficou por mais de 10 anos no comando técnico da seleção brasileira de futsal – do segundo semestre de 1989 até março de 2000 -, período em que o Brasil venceu 18 de 19 torneios disputados.

Antes do início do Mundial de Futsal de 2024, que será realizado no Uzbequistão, entre 14 de setembro a 6 de outubro, o ge conversou com o bicampeão Takão. O técnico relembrou boas histórias da época em que se aventurou no esporte de alto rendimento.

“Se você tem atletas bons e disciplinados, é só você não fazer burrice”

Takão foi bicampeão mundial no comando da seleção brasileira de futsal — Foto: Arquivo Pessoal

Takão foi bicampeão mundial no comando da seleção brasileira de futsal — Foto: Arquivo Pessoal

Conciliando profissão e paixão

Desde que se formou em Odontologia, no fim da década de 1960, Takão gostava de praticar e acompanhar esportes. Como apresentava boa capacidade de liderança, treinava o Arsenal, time de futsal do Colégio Santo Antônio, em Belo Horizonte.

No início da década de 1980, concluiu estudos de especialização em ortodontia nos EUA, começou carreira acadêmica na área e, simultaneamente, virou treinador de futsal do Minas Tênis Clube.

Foi no comando do Minas, em um torneio disputado em São Paulo, que Takão foi abordado pela Confederação Brasileira de Futebol de Salão (CBFS) para assumir o comando da Seleção.

“Liguei para a minha mulher e falei: Tereza, o que eu faço? Me convidaram para ser técnico da seleção. Vou falar que não vou.”

– Aí, ela falou: “Sempre te dei a maior força para largar, mas agora que chega o filé mignon, você vai largar?’ De jeito algum! Você vai aceitar”

Para aceitar a proposta, Takão estabeleceu algumas condições. Ele conta que precisou da ajuda de familiares para manter o consultório na ativa em momentos de ausência e foi bem direto com os diretores da CBFS.

– Eu não sou treinador, sou dentista e professor de ortodontia. A minha profissão é essa. Eu só aceitei a seleção diante de um planejamento prévio de calendário. A diretoria da Confederação me informava com pelo três meses de antecedência todos os eventos que a gente teria. A parte de treinamento foi toda para Belo Horizonte, então não me atrapalhava em nada.

“Eu tenho dois cunhados dentistas, eles falaram comigo que eu poderia viajar que eles cuidariam da clínica. E eles realmente tomaram conta. Lembro que em 1996 fiquei quase 45 dias fora com a Seleção. Sem eles, eu não conseguiria fazer isso”

Cargo sem remuneração

O acordo de Takão com a Confederação Brasileira de Futebol de Salão não previa o pagamento de salários. Isso porque o próprio técnico combinou com os diretores da CBFS que não teria remuneração. O dentista revelou como foi a conversa no momento da negociação.

– Não quero ganhar nenhum centavo, não quero ser remunerado. Aí me perguntaram o motivo. Eu disse: “O dia que vocês me encherem o saco, eu saio. Eu não estou aqui por conta do salário. Eu estou porque eu gosto do que estou fazendo e acho que esse desafio vai ser legal para mim.”

Na seleção, Takão teve como braço direito Beto Vieira, auxiliar e preparador físico. O profissional tinha mais conhecimento de futsal e fazia análises dos adversários.

Auxiliar Beto Vieira ao lado de Takão no banco de reservas — Foto: Arquivo Pessoal

Auxiliar Beto Vieira ao lado de Takão no banco de reservas — Foto: Arquivo Pessoal

Na base da conversa

Na seleção, Takão treinou grandes craques do futsal brasileiro (Manoel Tobias, Vander Iacovino, Fininho, Choco, Falcão, Lenísio e outros tantos) e sua principal virtude como treinador era a liderança.

– Eu conversava muito com os jogadores. Às vezes, passava no quarto, batia na porta, sentava lá e conversava um pouco sobre a vida, se é casado, tem filhos… entrar mesmo na vida deles, com todo respeito, e isso era fantástico, essa relação que eu tinha com eles.

Na seleção, Takão teve como braço direito Beto Vieira, auxiliar e preparador físico. O profissional tinha mais conhecimento de futsal e fazia análises dos adversários.

Auxiliar Beto Vieira ao lado de Takão no banco de reservas — Foto: Arquivo Pessoal

Auxiliar Beto Vieira ao lado de Takão no banco de reservas — Foto: Arquivo Pessoal

Na base da conversa

Na seleção, Takão treinou grandes craques do futsal brasileiro (Manoel Tobias, Vander Iacovino, Fininho, Choco, Falcão, Lenísio e outros tantos) e sua principal virtude como treinador era a liderança.

– Eu conversava muito com os jogadores. Às vezes, passava no quarto, batia na porta, sentava lá e conversava um pouco sobre a vida, se é casado, tem filhos… entrar mesmo na vida deles, com todo respeito, e isso era fantástico, essa relação que eu tinha com eles.

Manoel Tobias e Falcão

Ser o técnico que convocou pela primeira vez os astros Manoel Tobias e Falcão para a seleção brasileira é algo que orgulha Takão.

Manoel Tobias foi bicampeão mundial junto com Takão em 1992 e 1996 — Foto: Divulgação

Manoel Tobias foi bicampeão mundial junto com Takão em 1992 e 1996 — Foto: Divulgação

A primeira convocação de Falcão, campeão mundial em 2008 e 2012, foi feita pelo técnico Takão na década de 90 — Foto: Foto-net

A primeira convocação de Falcão, campeão mundial em 2008 e 2012, foi feita pelo técnico Takão na década de 90 — Foto: Foto-net

Manoel Tobias foi bicampeão mundial junto com o técnico. Já Falcão virou nome certo na seleção após o Mundial de 96. De 1997 ao início de 2000, Takão contou com os dois craques no elenco e lembra como foi trabalhar com eles.

– Teve uma vez em uma excursão que o supervisor me perguntou como era para distribuir os quartos. Aí eu falei: põe o Manoel e o Falcão juntos. O Falcão reclamava do violão do Manoel, que ele ficava cantando. Aí eu falava: ‘Falcão, resolve isso com ele’. Se tivesse alguma rusga, que acabassem com ela por ali mesmo. E eles nunca me deram nenhum trabalho.

“Quando me perguntam quem era melhor, Falcão ou Manoel Tobias, eu falo os dois. Um era marcador e tinha finalização certeira, que era o Manoel Tobias. E o Falcão, além de muito inteligente, era um espetáculo, uma genialidade”

Takão também lembra de uma entrevista dada por Falcão, um dos maiores jogadores da história do Futsal, citando o ex-treinador ao falar sobre o amadorismo do esporte no Brasil tempos atrás.

“Achei interessante… parece que o Falcão falou em uma entrevista para um podcast: ‘nós éramos tão amadores que o técnico nosso era dentista’.

– Mas ele não sabe dessa história que eu nunca ganhei um centavo. Eu não exigi. O meu auxiliar depois de um tempo passou a receber, mas eu não.

Preleção inesquecível

Um dos momentos marcantes de Takão na seleção brasileira de futsal ocorreu no vestiário da arena do Palau Sant Jordi, em Barcelona, antes da final contra a Espanha, no Mundial de 1996.

Como dentista, Takão atendeu o atacante Ronaldo em Belo Horizonte, quando ele jogou pelo Cruzeiro. Como o Mundial de 96 foi realizado na Espanha, o Fenômeno acompanhou a decisão e foi ao vestiário da seleção.

“O Ronaldo morava em Barcelona, onde foi a final, e foi ver o jogo. Na hora que entrei no vestiário com os atletas antes do jogo, o Ronaldo chegou. Ele entrou no vestiário para dar um abraço em todo mundo, desejar sorte, e aquilo deu uma força muito grande para nós. Aquilo marcou muito”

Ronaldo jogava no Barcelona em 1996 e acompanhou a final entre Brasil e Espanha — Foto: Christian Liewig/TempSport/Corbis via Getty Images

Naquele dia, o Brasil venceu a Espanha por 6 a 4, diante de quase 17 mil torcedores na Arena de Barcelona. Takão relembra que depois, por coincidência, Ronaldo encontrou novamente com o elenco brasileiro.

– Na hora que a gente entrou no avião para voltar ao Brasil, quem estava lá dentro? O Ronaldo, de novo. Mas foi por acaso. Nós voltamos no mesmo avião que ele estava vindo para o Brasil. Então, foi uma festa, foi muito legal isso.